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especial Ambiente pós-Covid-19 | ABERTURA

O futuro do ambiente no Pós-Covid

O impacto positivo que a pandemia está a ter no ambiente pode ser considerado, sobretudo, um alerta da Natureza em relação ao futuro

Texto: José Miguel Dentinho



Apandemia deu origem a imagens surpreendentes da vida no planeta. De profissionais de saúde desesperados, em salas de emergência dos hospitais, sem condições para fazer face à doença; de pequenos e grandes momentos de solidariedade; de ruas, praias e outros espaços públicos desertos; de vida humana parada, interrompida em todo o lado. Mas nem tudo foi negativo. À medida que os governos de todos os países do nosso planeta foram reagindo, com medidas de restrição e confinamento, ao impacto do novo coronavírus, a qualidade do ar melhorou. Será que a Humanidade irá aprender esta lição, dada à força pela Natureza?

A diretora-geral do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Inger Andersen, não considera a melhoria momentânea do ambiente um benefício para a Terra. Pelo menos sem alterações no modo de fazer as coisas na economia global. “Impactos positivos visíveis, de melhoria da qualidade do ar ou de redução de emissão de gases de efeito de estufa, resultam do sofrimento humano e de uma trágica desaceleração económica, e são apenas temporários”, diz.

Esperar para ver

Segundo o Instituto Scripps de Oceanografia, dos Estados Unidos da América, que monitoriza o ambiente da Terra há muitas dezenas de anos, seria necessário que a atividade económica do nosso planeta diminuísse de forma sustentada cerca de 10% durante um ano para haver uma queda de 0,5% dos níveis de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Ralph Keeling, geoquímico desta instituição, mantém um registo dos níveis de CO2 na atmosfera desde 1958, que foi iniciado pelo pai, Charles David Keeling, em 1958. E explica que aumentaram constantemente desde essa data, exceto em pequenos períodos, que coincidiram com o colapso do Bloco de Leste, no final da década de 80, e a recessão económica de 2008. Por agora, considera que é preciso esperar para ver.

Para já, a pandemia resultará no aumento das quantidades de resíduos da atividade médica e hospitalar, mas também do desleixo do cidadão comum, como tem sido visto pelas fotografias partilhadas nas redes sociais e em comunicados de organizações nacionais responsáveis pelo tratamento, reciclagem e eliminação de resíduos.

Alerta da Natureza

Filipe Duarte Santos, professor catedrático jubilado de Física na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e presidente do Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, disse recentemente, em entrevista ao site Energiser, da Galp, que “o decréscimo de emissões de CO2, entre 2019 e 2020, de 8% foi gigantesco e é a maior redução causada por todas as crises dos séculos XX e XXI”. Segundo o docente, “é superior às que resultaram da gripe espanhola, I Guerra Mundial, Grande Depressão, II Guerra Mundial e, mais recentemente, da crise financeira e económica de 2008-2009”. O efeito da pandemia na economia mundial deu origem, por exemplo, ao anormal aparecimento de alforrecas em Veneza, de céu azul sobre grandes metrópoles mundiais – coisa rara hoje em dia – e à possibilidade de os indianos que vivem no seu sopé poderem ver as montanhas da cordilheira dos Himalaias. Foi algo que não acontecia há vários anos.

O impacto positivo que a pandemia está a ter no ambiente pode ser considerado, sobretudo, um alerta da Natureza em relação ao futuro, sobre a forma como uma simples mudança de métodos de produção e hábitos de consumo pode ser significativa para a sustentabilidade do mundo em que vivemos.

É preciso lembrar que apenas as mudanças sistémicas de longo prazo terão efeito real na diminuição da concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera. Por isso, e como salienta Inger Andersen, “após esta crise, haverá uma oportunidade real para suprir essa necessidade, através de pacotes ecológicos de investimentos em energia renovável, edifícios inteligentes, transportes verdes e públicos, etc.”. Mas será que isso irá acontecer?

Oportunidade real

Segundo a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistémicos (IPBES), uma área de 100 milhões de hectares de espaços naturais da região tropical, correspondentes à superfície da França e da Alemanha juntas, deu lugar a zonas de produção agrícola entre 1980 e 2000.

Hoje, a maior parte da superfície terrestre e da massa de água dos oceanos foi alterada pela atividade humana, com impacto mais ou menos prejudicial na Natureza e nos seus ecossistemas. E a vida de todos depende deles, para fornecerem oxigénio, essencial a todos os seres vivos, regularem o clima, polinizarem as plantas. Sabe-se agora que 2% das abelhas selvagens são responsáveis por 80% da polinização das culturas mundiais. Ou seja, sem elas dificilmente conseguiríamos superar as nossas necessidades alimentares verdes, mas também de produção de alimentos para o gado e outros animais.

Os vários surtos, epidemias e pandemias que afetaram a população mundial nos últimos 100 anos, devido a patógenos transmitidos por outros animais, já deveriam ter enraizado na mente das pessoas que a sua saúde será mais bem gerida se a Natureza também o for.

É preciso chegar a uma estrutura ambiciosa, mensurável e inclusiva para manter a Natureza rica, diversificada e florescente. “É parte integrante do sistema de suporte à vida”, defende Inger Andersen. “É algo ainda mais importante, se não nos esquecermos que uma parte significativa dos produtos farmacêuticos são derivados de recursos genéticos”, acrescenta. Ou seja, para aproveitar as oportunidades para o ambiente geradas pela paragem da atividade humana – e, por consequência, económica –, é preciso apostar mais no crescimento verde e numa forma diferente de viver a vida, “porque a saúde das pessoas e a do planeta são a mesma coisa e podem prosperar em medidas iguais”.