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VINHOS 2019 OS MELHORES DO ANO

copos

Com os copos

Saber apreciar um vinho também passa por saber qual o copo adequado para o deixar viver. As regras, os disparates e muita liberdade para seguir o gosto de cada um

TEXTO Nuno Miguel Guedes


NOTAS FINAIS

É importante que se perceba que o que aqui é expresso são apenas opiniões e não leis imutáveis. “O que importa será sempre a liberdade individual de sensações”, acrescenta Nadir Bensmail, proprietário da empresa Os Goliardos. E Sílvia Mourão Bastos, outra das sócias: “Há muita gente que liga mais às regras e aos acessórios do que ao vinho em si.” Parece que de preconceitos – ou pelo menos hábitos antigos – estamos nós cheios. Por exemplo: “Quando queremos comer um bom queijo, o que vem logo à cabeça para o acompanhar? Um bom tinto. Bom, na verdade, um branco é bastante mais indicado, porque faz sobressair as qualidades dos queijos”, diz Nadir. E António Correia, antigo escanção do restaurante Varanda do Hotel Mundial, reforça: “Sabe qual a melhor bebida para um presunto de qualidade? Um branco com seis a dez anos.”

Para começo de conversa, aqui vai um pequeno truísmo: é nas paixões que colocamos mais rigor. E, para que não haja distrações, entendamos já que aqui a paixão é aplicada ao saber beber. Até porque encontramos cada vez mais estes apaixonados por líquidos preciosos, do vinho a espíritos mais destilados.

São eles os verdadeiros amadores, que gostam de suspender o tempo por causa de uma cor ou de um aroma. Que sobretudo sabem que o ato de apreciar um vinho, por exemplo, nunca começa nem termina com a sua degustação, por mais exaustiva que o seja: é necessário estar a par da história do vinho, da região, do clima, da composição... E quando finalmente se chega à prova, deve-se fazê-la nas condições ideais – nos copos ideais.

Existem copos certos para beber determinados vinhos ou bebidas? Quais são? Terá isso importância? E porquê? Ou talvez a única regra seja a de que não existem regras...






Flute

Pela sua forma esguia e elegante, ligamos a flute ao champanhe, bebida de composição gasosa que este copo ajuda a preservar (ao contrário das taças de boca larga, muito comuns nos filmes...). Mas bebe-se apenas champanhe neste copo? António Correia, antigo escanção do restaurante Varanda do Hotel Mundial, em Lisboa: “Se servir um bom vinho verde numa flute, não vou prejudicar o vinho, que também tem uma componente gasosa. Um rosé ligeiro também ficaria bem, porque este copo transmite uma sensação de frescura que é aliciante.” Sílvia Mourão Bastos, sócia de Os Goliardos: “A estreiteza do copo faz com que o vinho não se demore na boca, ao contrário de um copo de boca larga no qual se pode apreciar um vinho mais complexo. Um champanhe ou vinho gasoso condiz com este copo.”




Copo de prova pequeno

“Pode dar para vinho do Porto como também pode dar para champanhe. É um copo que retém bem as propriedades de certos vinhos”, diz Nadir Bensmail, outro dos sócios de Os Goliardos.

Copo de prova médio

“É o mais polivalente dos copos. Dá para vinho, aguardente, champanhe...”, garante Sílvia Mourão Bastos. António Correia vai mais longe: “Chamamos-lhe o 112. Serve bem licores, Porto, vinho... Nele até posso servir um Baileys que não ficará mal. É ótimo para apreciar lentamente, e a sua forma afunilada permite reter os aromas.”




Cálice menor

“Um bom copo para servir brancos ligeiros, embora o cálice maior – que normalmente é usado para a água – possa ser utilizado para brancos com um pouco de madeira”, segundo António Correia.




Cálice maior

“Este será um copo intermédio entre branco e tinto. Serve brancos mas também já segura os taninos de um tinto, embora este precise normalmente de mais espaço”, assegura o escanção. Primeira afirmação polémica, proveniente do “goliardo” Bensmail: “Em rigor, a divisão de copos para brancos e tintos não existe. Podemos beber os dois no mesmo tipo de copo. Agora, como não têm taninos, os brancos não necessitam de copos de boca larga para entrarem logo em contacto com o ar, e o vinho libertar-se de forma mais profunda.”




Copo largo de vinho tinto

“O ideal seria haver dois tipos de copo”, diz António Correia. “Uns mais abertos, como este, para vinhos jovens e cheios de fruta, que necessitam do choque térmico para evoluírem. E uns mais fechados, para vinhos mais velhos que se têm de apreciar com tempo e cujas propriedades precisam de ser retidas. Não estou de acordo com o decantar nem o chambrear (aquecer).” Sílvia Bastos: “Este é de facto o copo que mais se adequa ao vinho tinto, porque faz com que os taninos evoluam mais. É neste copo que provavelmente podemos apreciar o vinho na sua plenitude, com todos os elementos a terem espaço e tempo para evoluírem.” Aproveita-se para resolver uma questão muito recorrente: faz sentido mudar de copo de um vinho para outro? Nadir Bensmail: “Isso é um preconceito.”




Copo tipo balão

“Este copo deu origem aos maiores equívocos”, diz António Correia. “Foi feito para servir na perfeição aguardentes e conhaques, destilados de grande qualidade e com muito tempo de vida. O uísque em balão é uma invenção portuguesa, não faz sentido nenhum!” Não resistimos à provocação: então e o célebre “chambrear a aguardente”, grande ritual em frente aos clientes? O escanção riu-se: “Isso foram preciosismos de alguns profissionais. É um disparate, feito só para impressionar. A partir dos 40 graus, todos os aromas desaparecem. Logo, a vida de uma aguardente, que leva anos e muita devoção a fazer, desaparece em poucos segundos pelo excesso de evaporação.”



Copo de água

Aparece aqui como sugestão dos “goliardos” Sílvia e Nadir e serviu, sobretudo, para nos apercebermos da extraordinária velocidade com que um vinho rico é extirpado de toda a sua profundidade e expressão. “Os aromas voláteis desaparecem de imediato e o sabor fica quase ausente, como se estivéssemos a beber um vinho aguado. Isso é devido à espessura do vidro, que é grossa e torna qualquer vinho... grosseiro”, explica Sílvia Mourão Bastos. Um copo perfeito para algo inodoro e sem sabor: água.